quinta-feira, 16 de junho de 2011

Além do que se vê.

"É preciso força pra sonhar e perceber
que a estrada vai além do que se vê"
Marcelo Camelo

      Há varios dias me preparo para falar com Luísa sobre o que está acontecendo com Eduardo. Ela é irmã, convive com ele muito mais do que todos nós e merece participar de tudo, ter a oportunidade que temos todos os dias com Eduardo. Mesmo com tão pouca idade de Luísa, eu não queria esperar o momento de conversar com ela, já que nós, adultos, subestimamos a capacidade de compreensão das crianças e, com certeza, tal momento passaria sem que eu percebesse.

      Assim, aos poucos, vou conversando, que ele precisava sair mais do que ela (para as terapias), mas que sempre que a gente fosse sair para brincar, ela também iria. Claro que ela, tão pequena, ficou apenas me olhando e disse: legal mamãe. E fui percebendo minha filha ficando mais agressiva, sentindo mais ciúmes do irmão, tentando evitar o contato dele com os demais integrantes da família. Acho que ela tentava compensar o momento que ele saía com a gente e que ela não sabia o que acontecia, só podia imaginar. Como ele saiu da escola, ela pergunta por ele, na ida e na volta. Demonstra que sente falta, em casa e nos lugares que vai sozinha. 

      Até que chegou o dia que Luísa olhou angustiada para mim, sem compreender o seu irmão e os motivos dele não querer seus abraços, seus beijos, dele não aceitar o brinquedo que ela oferecia, sem conversar. E não adiantou me preparar. Olhei de volta com todo meu amor e simplesmente não sabia o que falar.

      Mas não tinha jeito. Não podia deixar ela imaginar o que não era real, então falei que Eduardo era o irmão dela, só, igual a ela, que ele quer brincar, correr, ouvir músicas, pular, ou seja, tudo que uma criança de dois anos quer. Que ele pode fazer coisas diferentes, que pode não conseguir, ainda, demonstrar o que quer, mas que ela pode, sim, brincar e ficar perto dele. E isso vai ser muito divertido para os dois.

      Não disse que ele é especial por vários motivos, o principal é o fato que ela também é especial, é minha filha. Eu disse que os dois eram especiais para mamãe. Que ele era diferente dela, que fazia coisas diferentes, que muitas vezes não conseguia brincar do jeito que ela queria, mas que ela também era diferente de todos os amiguinhos da escola, do João, do Daniel, da Olívia.

      Vou mostrando, aos poucos, que também sou muito difernte do papai. Que gosto de chocolate, mas o papai não. Que amo matemática, que o papai ama história. Que sou tímida e o papai adora uma plateia. Que cada um é especial, que não é uma diferença que vai tornar Eduardo distante. Que ele não tem o mundo dele. Que estamos todos no mesmo mundo. Que as pessoas são muito mais do que os nomes que damos a elas. 

      Talvez nossa princesa não compreenda ainda, mas acredito que o sentimento além daquelas palavras foi assimilado por ela. Prefiro que ela sinta esses valores e não fique imaginando coisas, ouvindo que ele tem atraso e que ela faz coisas que ele não faz. Isso não é importante. Em algum momento, ela vai entender. Hoje, basta que ela sinta que todos somos iguais, que a palavra inclusão para pessoas com necessidades especiais pode perder o sentido, quando, dentro de nós, não há a exclusão. Isso deixa de ser utopia quando tratamos individualmente, quando olhamos para os valores dentro de nós mesmos. É isso que quero deixar possível para os meus filhos.

     Que sejam amigos e vivam um amor tão forte como o que sentimos, minha irmã e eu. Porque, na verdade, a estrada vai muito além do que se vê, muito além de um rótulo, da nomenclatura que atribuímos às diferenças. E a força necessária para sonhar e perceber, eu vejo em ambos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa querida, que lindo! Muito bom ver que você está manejando bem toda essa complicada situação. Você é muito sensível à Lu e ao Eduardo. Eles têm muita sorte de ter você do lado deles! Beijo, Luciana (Brasília)

Abigair Santos disse...

Querida Alê, quando tentei abrir o blog pela primeira vez deu erro e eu achei (absurdamente) que você não tinha conseguido colocá-lo no ar ou desistido do empreendimento. Que absurdo, mesmo que por um momento, achar que você não ia conseguir fazer alguma coisa que acreditava.

Superado este meu primeiro equívoco, agora coloquei em dia a leitura de todos os seus relatos. Emocionei, chorei e ri, mas ao final fiquei com uma sensação interior de tranqüilidade porque sei que a força e o amor desta família especial manterão Luisa e Eduardo no caminho da felicidade.

Sou tia de 5 crianças lindas e a medida que cada um chegava para nossa família eu tinha de recomeçar a identificação de qual a melhor abordagem para conquistá-los. Com uns eu consegui um sucesso rápido, mas teve aqueles em que precisei de ajuda e mesmo assim o sucesso só chegou depois de anos de persistência... rssrss.

Com Eduardo e Luisa sei que não é diferente. No caso de Eduardo, como eu não conheço quase nada sobre este modo especial que ele vê o mundo, preciso aprender sobre as formas que devo abordá-lo, para conquistá-lo e, sobretudo não prejudicar sua formação. Para isto, eu vou continuar acompanhando os seus relatos.

Um beijão para vocês!

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